Chitwan fica a 150 km de Ktahmandu.
Partimos às 7h do hotel Ambassador em Kathmandu.
Apesar de o agente de viagens nos ter garantido que o transporte era num autocarro expresso de uma companhia privada, não era nada disso.
Uma camioneta normal que estava a abarrotar de nepaleses.
Até no corredor central foram colocados bancos de madeira que serviam de assento.
Ao meu lado, mesmo colado, ficou um rapaz que há vários meses não sabia o que era tomar banho.
Para agravar a situação decidiu adormecer e, apesar de vários safanões, fez da minha mochila a sua almofada.

A saída de Kathmandu foi por montanhas enormes, curvas e precipícios apertados.
A estrada já foi alcatroada. Agora (1988) era de terra batida misturada com pedras. A largura era ligeiramente superior ao rodado da camioneta.
Apesar de todos estes riscos, o condutor não só acelerava a fundo como nem sequer apitava nas curvas. Era pedir muito. Até teve o desplante de conversar, olhar para trás e, durante alguns momentos, ler o jornal.
Deu confiança a quem seguia lá atrás...
Solavancos, curvas, agitação... estavam criadas as condições para o enjoo. Tinha de ser e logo ao rapaz que seguia ao meu lado. Mochila e pernas para cima. Evitei os vómitos mas não o mau cheiro.
Algum tempo depois, uma pausa.
Paragem num vale, um local inundo, cheio de lama. O rapaz decidiu comprar tangerinas e, pouco depois, já com a camioneta em andamento, tal como eu esperava, nova sessão de vómitos. Farto desta situação um outro passageiro que estava também no corredor central, protestou e o rapaz foi apanhar ar na parte da frente, próximo de uma janela.
Fez aí o resto da viagem.
Os imprevistos não ficaram por aqui.
O condutor, numa saída de uma curva, mandou um jipe para a valeta.
Nova paragem forçada. Prolongada.
Tentámos boleia mas os turistas ocidentais recusavam e as camionetas de transporte local estavam mais do que com a lotação esgotada. Até no tejadilho.
Após uma hora de espera, seguimos viagem.
Frequentemente tínhamos de colocar lenços na boca e no nariz para protecção da poeira.
Na parte final da viagem, já com menos passageiros, para fugir do cheiro dos vómitos mudámos de lugar, mais para a frente. Foi um insucesso. Um velhote que seguia no banco da frente fartava-se de libertar gases.

Finalmente, quando eram quase 17h, chegámos a Chitwan.
Aguardavam-nos dois miúdos que nos levaram até um carro de bois.. Cansados e moídos da viagem tivemos mais uma hora de transporte. Até foi agradável.
Chitwan está no sopé dos Himalaias e tem vales enormes. Muito verdes e com rios. Aliás o nome deriva desta conjugação de factores naturais. Chit significa denso e Ban corresponde a floresta.
Foi o nosso percurso. Atravessámos vales e um rio num carro de bois.
No alojamento, no Chitwan Safari Lodge, desesperados de fome, estava à nossa espera uma sopa de alho e cebola e massa de vegetais.

Os alojamentos eram pequenas cabanas, de uma única divisão, feitas a partir de argila e excremento de elefante.
Há centenas de anos que o povo tharu constrói deste modo as habitações.
Segundo o que era relatado no museu do Parque, é um material muito consistente e higiénico porque a cozedura da argila anula qualquer risco.
Eram cerca de uma dezena de cabana que contornavam a casa de madeira onde funcionava a cozinha e o restaurante.
Bancos e mesas de madeira e à noite um petromax eram o mobiliário do restaurante. Boa noticia: estava protegido das melgas e mosquitos com uma rede.
A cozinha tinha uma lareira, tachos e panelas de lata, escuras e dois a três cozinheiros.
Comida vegetariana. A excepção foi um prato de frango.
Na tarde da nossa chegada ainda tivemos tempo para dar um pequeno passeio.

A povoação tinha casas rústicas que se misturavam com pequenos aldeamentos para turistas.
Ruas de terra batida, em algumas partes de lama. Por ali andavam muitas crianças, galinhas e vacas.
Os empregados do nosso aldeamento foram sempre muito simpáticos.
Aproveitámos para lavar alguma roupa. Eles dispuseram-se a tirar água e ofereceram sabão.
Na primeira noite, durante o jantar de bifes de vegetais, o dono do aldeamento foi de propósito cumprimentar-nos.
Pediu desculpas por não nos receber mas estava muito atarefado com o casamento da irmã. Havia vários rituais a cumprir, na qualidade de irmão da noiva. Acrescido da responsabilidade de ser o líder da comunidade.

Prometeu ter em conta o nosso pedido – arranjar um táxi para a viagem de regresso e apresentou-nos o Rudy, o nosso guia.
Um outro guia tharu serviria de guia às duas turistas que chegaram mais tarde.
Nessa noite o Rudy e um colega iam dormir numa cabana, perto das couves. O motivo eram os rinocerontes que vinham até à reserva saborear os vegetais. Era para os espantarem.
Durante a noite acordei com a terra a tremer. Os dois homens a berrar, o rinoceronte a fazer ainda mais barulho e a passar mesmo ao lado da nossa cabana. Se fosse em frente, a cabana caia. A espessura da parede é de poucos centímetros.
Na manhã seguinte percebia-se facilmente a passagem do rinoceronte. Havia uma vala no meio dos vegetais, o caminho que percorreu.

Fomos dar um passeio ao longo da selva.
Primeiro foi uma viagem no rio dentro de uma canoa. Um andamento calmo, sereno, contemplativo. A natureza, aves, trabalho agrícola, mulheres a lavar roupa e, lá ao fundo, um homem a atravessar o rio num elefante.
O regresso foi a pé, pelo meio da selva.
Encenado ou verdadeiro, não sei. O que sei é que o Rudy seguia armado com um punhal e por vezes pedia silêncio. Dizia que era perigoso.
Houve até um momento de tensão, mas não passou de falso alarme. Afinal era um tharu a alimentar o elefante onde se fazia transportar.
Durante a travessia da selva vimos uma galinha, quatro macacos e vestígios de um rinoceronte.
Rudy tinha razão para preocupação. O rinoceronte indiano de um só corno (em vias de extinção) quando se irrita é perigoso. Por outro lado, o tigre de bengala é outra espécie que percorre o Parque Nacional de Chitwan como também os leopardos.
Talvez estes sejam os mais perigosos, mas há ainda as hienas. Nos pântanos há crocodilos e pitons.
O Parque tem uma área de quase mil quilómetros quadrados e uma grande diversidade de fauna e flora.
Foi o primeiro no Nepal, em 1973, e é considerado património mundial pela UNESCO.

Os elefantes e os rinocerontes são as espécies mais populosas.
Perto do museu havia um centro de recolha de elefantes. Na altura, eram cerca de 20. Deliciavam-se com bolas de vegetais e uma mistura adoçada.
Desempenham um papel importante na comunidade tharu como meio de transporte.
Foi num desses elefantes que fizemos uma nova incursão na selva.
Calmo, muito calmo, o elefante iniciou a sua marcha e pouco depois desceu quase a pique numa ravina que dava acesso ao rio.
Era espantoso como um animal tão grande e carregado com três pessoas tinha tamanha mobilidade.
No meio da selva, a tromba do elefante destruia os pequenos ramos que lhe faziam obstáculo.
O problema era quando os ramos roçavam as nossas pernas.
O regresso ao aldeamento foi ao anoitecer. Altura em que alguns dos carnívoros vão à procura de alimento e, outros, se refugiam nos seus abrigos.
Passamos por um rinoceronte no meio de um pequeno lago. Limitou-se a observar-nos. Mais à frente, um outro rinoceronte também se banhava na água quente mas fugiu quando viu o elefante. Ficou a alguns metros da poça a olhar-nos.
Quando o passeio estava prestes a terminar, já num caminho, o guia suspendeu a marcha. Pediu silêncio e, agora, foi a nossa vez de ficarmos na expectativa.
Depois de uma longa observação, o guia concluiu que o animal que estava no meio do caminho, na penumbra, era uma hiena. Um dos predadores receados pelos elefantes.
Ficaram parados, a hiena e o elefante.
O silêncio foi de repente quebrado por um outro animal que fez um barulho estridente. Até o elefante estremeceu. Era um sinal de aviso para os outros animais. Surtiu algum efeito porque momentos depois a hiena desapareceu.
Numa das noites fomos convidados a ir a um outro aldeamento assistir a um espectáculo de danças tradicionais.
Noutra noite chegou ao nosso aldeamento um casal de franceses. Chegaram tarde.
No dia seguinte andavam pelo meio das cabanas a fazer muito barulho.
Ouviram alguns protestos em português, mais como sinal de desconforto. Ele era francês, guia nos Himalaias. Ela... era filha de emigrantes portugueses e falava fluentemente o português. Aliás, julgo, que mais tarde se tornou famosa como fadista.
O regresso a Kathmandu foi de táxi.
Após um breve regateio do preço a viagem acabou por custar 1,400 rupias mais o almoço do motorista.

Foi uma viagem rápida, com duas paragens.
O momento mais inusitado foi perto de Kathmandu quando uma ambulância atropelou um homem. E não parou. O desgraçado foi a coxear para a berma da estrada.
No dia seguinte foi a partida para a Índia.
No aeroporto, na entrada para a “sala de espera” os passageiros não podiam entrar com isqueiro. Teve de se colocar na bagagem. Resultado: quando cheguei a Nova Deli o cadeado estava rebentado, o fecho estragado, sem isqueiro, despertador, maços de tabaco e, pior de tudo, sem vários filmes fotográficos.