Cuba – Agosto de 1990

Havana
Havana

Tudo começou na manhã do dia 7 de Agosto quando recebemos os bilhetes meia hora antes do inicio do check in. 120 contos cada bilhete.

Tivemos de ir a correr para o aeroporto de Lisboa e quando da marcação de lugares fomos informados que havia escala em Santiago de Compostela. 
Antes fomos também surpreendidos com a noticia de uma escala em Caracas. 

O avião da Viasa partiu com uma hora de atraso e em Santiago assistimos ao combate a um incêndio em redor do aeroporto. Durante duas horas e fomos confortados apenas com um sumo de laranja.

O “almoço” só foi servido pouco depois das 19h numa longa viagem até Caracas.

O avião ia superlotado mas, mesmo assim, poucas horas antes da chegada à Venezuela,  a temperatura no interior do aparelho começou a descer a não havia cobertas para todos os passageiros. 
Chegaram os primeiros sinais de frio e dor de ouvidos.

Aterragem em Caracas próximo da meia noite, hora local.

Mais duas horas de espera. Houve uma chamada mas teve de ser adiada a entrada no avião devido a uma avaria.

Nova partida e mais uma escala. Em S. Domingos onde saiu a maior parte dos passageiros. Muitos turistas e negros, com rádios, imitando os norte-americanos.

No aeroporto dominicano estava calor. No interior do avião um frio invernoso. Muitas pessoas protestaram mas de nada valeu.

Seis da manhã, hora local, chegada a Havana.


Antes de se passar na alfandega era obrigatório o visto. O que, por sua vez, exigia o registo e o pagamento de um hotel.
No balcão do turismo (inturist) estava à nossa espera a Ayola, o nosso contacto.
Deu-nos um voucher para quatro dias no hotel Capri. Uma surpresa com o preço do hotel: 280 $USD.



Carros em Havana
Carros em Havana

O aeroporto indiciava que tínhamos regressado algumas décadas no séc. XX.
A confirmação foi na saída. Dezenas de carros parados, modelos norte-americanos dos anos 50.

O bafo de ar quente e húmido ajudava a criar um ambiente diferente. Tropical. A temperatura média no verão é de 32 graus e há mais humidade.


Enquanto esperávamos por um táxi a Ayola  deu-nos a explicação oficial sobre a obrigatoriedade de todos os pagamentos dos turistas serem apenas em US dólares – é para simplificar a vida ao turista que não precisa de cambiar dinheiro.
Pois era.... Já antes, na Rússia tivemos essa experiência. 
Hoje a situação é diferente
. 
Em Cuba, nessa altura, no cambio oficial 1$USD valia 1.33 pesos. No restaurante, um prato que custava 1 peso tinha de ser pago por 2$USD . No mercado negro, 1$USD valia entre 6 a 7 pesos.

Dificilmente é contornável este processo porque só podíamos pagar em dólares e converter pesos em dólares, no regresso, só é possível com um impresso do primeiro cambio.


Estava difícil apanhar um táxi e havia muito mais gente à nossa frente. A Ayola ofereceu boleia no seu Lada.

Na viagem, enquanto os nosso olhos descobriam as ruas da cidade, Ayola falou-nos da aposta que Cuba estava a fazer no turismo. Em 1989 tiveram  200 mil turistas e Varadero era uma praia de sonho.
Ficou marcado para depois do almoço um encontro para definirmos o programa da viagem.



reserva no Capri
reserva no Capri

Capri fica na zona nova da cidade. Um edifício grande, mais de uma dezena de andares, que precisava de obras de restauração.
O hall de entrada não tem ligação direta aos quartos que são velhos, sujos e com vestígios de muito uso. A excepção são os candeeiros cujos candelabros estão protegidos por plásticos.

Nessa manhã não havia água quente e a TV estava avariada.

Os corredores de carpetes azuis tinham lixo.  No entanto, deviam ser confortáveis. Acordámos uma manhã com o corredor cheio de coreanos a praticarem taw kendoo. Exercitavam os músculos e as cordas vocais com gritos de combate.
Pequeno almoço com empregados simpáticos. Sumo de melancia, pão, tarte, compotas e café cubano.


Malecón
Malecón

O primeiro passeio foi em direcção à avenida ao longo do mar, o Malecón.
Muito calor.

É uma avenida extensa. 8 km.
Tem sempre gente a passear.
De um lado o Atlântico, em direcção aos EUA.
Do outro lado os prédios e praças de Havana. Em alguns locais estão afixados cartazes, dirigidos para os EUA, com mensagens contra os "gringos".
A avenida tem um muro ao longo do mar.
Frequentemente vagueiam por aqui alguns miudos.
Fogem do calor com banhos na água e também se vê com alguma frequência gente a boiar.
As bóias são câmara-de-ar dos pneus.

Monumento Maine
Monumento Maine

Em frente ao monumento dedicado às vitimas del Maine, um jovem negro, Geraldo, meteu conversa.
Perguntou a nossa opinião sobre Cuba.
Disse que era mecânico e tinha acabado de arranjar um carro a um turista.
Prontificou-se a levar-nos a Havana velha e não se importava de ser filmado.
Enquanto fazia as primeiras filmagens, apareceram outros turistas com os quais meteu conversa e desapareceu.
Algumas conversas com os cubanos são assim. Começam por um mero acaso e, depois de satisfeita a curiosidade, decidem ir embora.
Os cubanos metem-se pouco com os turistas. Quando o fazem é para o mercado negro de dólares.
Não criam problemas quando são fotografados. Por vezes, até se predispõem.

Praça da Revolução
Praça da Revolução

A parte da tarde foi um passeio à Praça da Revolução e à rua Salvador Allende.

Havana é uma cidade muito quente e húmida, repleta de prédios coloniais, muitos deles degradados.
Avenidas largas e ajardinadas rompem pelo meio da cidade. São as fronteiras dos bairros El Vedado, El Cerro, La Víbora, Miramar, Marianao, Santos Suárez entre outros. Estas avenidas estão ladeadas de prédios mais altos. Ligam as maiores praças.
As transversais são ruas mais estreitas. Com casas mais pobres e com os habaneros a fazerem a sua vida na rua.
Os mais jovens brincam. Há muitas crianças. Procuram as ruas mais frequentadas por turistas.
Os que têm mais idade vão a lojas de rua, conversam pelo caminho. Outros estão sentados à porta de casa. Uma camisa leve e um olhar curioso.
Havana tem mais de dois milhões de habitantes mas não se sente a densidade populacional.

Estacas seguram piso superior
Estacas seguram piso superior

As fachadas são tipicamente hispânicas com cores em tons suaves de azul, verde, amarelo e branco.
Alguns edifícios têm no interior estacas que seguram o tecto do piso superior. Vários pisos com o mesmo tipo de apoios.

Muitos prédios estão neste estado. Por vezes uns a seguir aos outros.

Há muito ócio na cidade.
Dizem-nos que muitos cubanos estão de férias.
As ruas têm muita gente sentada nos passeios e à beira das casas ou à janela. Umas estão a ver televisão outras na conversa. 
Quase todas têm um abano. Uma folha ou um livro, para se refrescarem.


Fila para restaurante
Fila para restaurante

Ao longo das ruas há pequenas lojas, sapatarias, armazéns do estado e restauração.

Praticamente em todos os pontos de venda de alimentos os cubanos têm de fazer uma fila.
Quando das refeições, nos restaurantes, apesar de algumas mesas estarem desocupadas, tem de se esperar na rua. Por vezes, muito tempo.
Num restaurante mandaram-nos esperar uma hora.

Um dos produtos que se vê muito é um alimento redondo, em forma de panqueca, de cor amarela e parece ser frita e com recheio.
Em principio, os turistas não têm acesso a estas lojas mas, se o fizerem, habitualmente não são recusados desde que paguem em dólares.
Uma vez, em Varadero, numa pequena loja de alimentos  a senhora que estava  atender não podia receber o pagamento em dólares. Só em pesos, mas não tínhamos.
Foi simpática e ofereceu-nos uma garrafa de leite
No dia seguinte fomos oferecer-lhe alguma roupa e canetas. Ficou preocupada com a nossa oferta.
Só a recebeu quando não tinha ninguém na loja e escondeu de imediato o saco de baixo do balcão de madeira.
Depois, suspirou e agradeceu com um enorme sorriso.


Homem produz charutos na Habana Libre
Homem produz charutos na Habana Libre

Os turistas só têm acesso a lojas da Inturist. Estão habitualmente em hotéis. Vendem souvenirs a preços muito superiores ao do mercado local.
Em Havana, próximo da Bodeguita del médio comprámos no mercado negro uma caixa com 25 charutos que custaram 15$USD.
Na Intourist do Habana Libre vendiam a 119$USD.
Embora, nem sempre o negocio do mercado negro corre bem.
Na mesma altura duas turistas que conhecemos em Havana e encontrámos mais tarde em Varadero contaram que também tinham comprado uma caixa e depois verificaram que estava vazia.

Não temos medo
Imperialistas: não temos medo

As  ruas de Havana são numeradas.
As que têm nomes são alusivos a lutadores e heróis revolucionários internacionais. 

Os restaurantes com comida estrangeira são apenas dos países de Leste e da R P China.

Também em muitas ruas encontram-se edifícios governamentais ou de organizações politicas.

Em praticamente toda a cidade estão cartazes com expressões revolucionárias.


Foto de Fidel
Foto de Fidel

Também é vulgar no interior das casas estarem pendurados quadros com a foto de Fidel Castro ou de Che Guevara.
As expressões revolucionárias são alusivas às metas traçadas pelo governo e ao envolvimento dos cidadãos no esforço comum de desenvolvimento e de defesa da “pátria” e do valores revolucionários. 

Há também referências a momentos revolucionários. Em defesa da independência e momentos decisivos da Revolução cubana.

Braguá
Baraguá

Uma dessas referencias muito citadas neste cartazes é “Baraguá”
 
um protesto que fomentou a independência de Cuba de Espanha e é utilizado como símbolo do povo cubano na sua luta pela liberdade.

Nos hotéis onde os aparelhos de tv funcionam há três canais. Um é dedicado aos turistas, o “Canal del Sol”. Transmite documentários sobre Cuba e vídeos norte-americanos legendados em espanhol. São constantemente “cortados à faca” para transmissão de publicidade. De restaurantes, cabarets e outros locais turísticos.

Além do Sol, há ainda mais dois canais, de programação nacional (Em Havana é possível captar um canal emitido a partir de Miami mas não é transmitido nos hotéis). Os canais nacionais são a Cubavision e a televisão Rebelde.
Ambas transmitem um jornal às 20h.
Hoje a abertura foi a leitura de uma mensagem de Fidel aos líderes dos países árabes. Dois locutores – uma mulher e um homem – demoram cerca de 10 minutos a ler o texto do “comandante em chefe”.
Para evitar a monotonia, a leitura é alternada. 

Depois, foi uma noticia sobre a situação no Golfo Pérsico com imagens já vistas em Lisboa três dias antes. 

As terceira e quarta peças do serviço informativo foram sobre deslocações de Raul Castro a uma região administrativa. Numa, Raul Castro falou durante vários minutos sobre o esforço de desenvolvimento. Na outra procurava-se justificar as despesas em defesa.

Seguiu-se um trabalho sobre os pioneiros que efectuavam exercícios e depois uma reportagem sobre as comemorações do 26 de Julho.
Ao final da noite, num noticiário chamado “24 horas” a abertura voltou a ser a mensagem de Fidel.

Seguiu-se um comentário do apresentador, onde eram colocados em confronto os pontos de vista do Iraque e dos EUA. O comentário era numa linguagem depreciativa para os EUA e com uma extensa enumeração do material militar norte-americano.
Neste noticiário foram editadas as mesmas noticias e pela mesma ordem, do jornal das 20h. (no dia seguinte, o Granma publicava as mesmas histórias.)

Músicos na Divina Pastora
Músicos na Divina Pastora

Entre os dois noticiários fomos jantar ao restaurante Divina Pastora.
Fica na fortaleza, na península de Havana.
Fomos de táxi e passámos por um túnel, debaixo de um braço de mar. O túnel parecia recente mas foi construído antes da revolução
O Divina Pastora é um lugar romântico, embora situado numa fortaleza militar. Come-se bem e não era caro. Tem um bom serviços e os empregados são simpáticos.
Um dos pratos foi  brocheta de caguama siguanea. É pão frito que leva em cima carne de tartaruga grelhada no espeto. 
Um mojito refrescou.
O dia seguinte começou com um passeio ao Habana Libré e depois por Havana velha.

Percorremos a parte antiga da cidade onde está a embaixada de Espanha. Na altura, vários cubanos refugiaram-se no interior da embaixada
Num perímetro grande em redor da representação diplomática, estavam muitos militares.
Todo o quarteirão estava cercado com uma barreira amarela.

Segundo a versão oficial, protegiam a embaixada de novas incursões.

Apesar da polémica os militares nada fizeram para nos impedir de fotografar e filmar. Um dos militares explicou-nos que eram criminosos que se tinham refugiado na embaixada. Havia liberdade em Cuba, estava tudo bem. O único problema que verdadeiramente o incomodava era a presença de militares cubanos em Angola onde tinha um filho.

Passeo Martí
Passeo Martí

Depois da embaixada segue-se a avenida principal, o Paseo de Martí.

As casas estão muito degradas mas aqui, nas avenidas principais, as fachadas foram recuperadas e o efeito é espectacular.
Longas colunas e paredes e telhados com ornamentos. Arquitectura barroca e neoclássica é visível em alguns edifícios e monumentos.

O largo central é também espectacular.
É aqui que fica um jardim (central park), o Capitólio e o Hotel Inglaterra. É um edifício lindíssimo.


O Metro
O Metro

No Teatro Nacional, na sala Luís Bunuel, passava um ciclo de cinema dedicado a Ava Gardner e estava programada a exibição de Indiana Jones e a Última Cruzada (Steven Spielberg, 1989)
Numa outra sala um grupo representava O Metro e, na rua, jovens distribuíam folhetos.
O Capitólio
 é também um edifico interessante, com arquitectura inspirada no Capitólio dos Estados Unidos em Washington e começou a ser construído em 1926. Foi a sede do governo de Cuba após a Revolução Cubana em 1959.
Toda esta zona está classificada pela UNESCO e foi recuperada com o apoio desta instituição.

Praça de Havana
Praça de Havana

Desta praça seguimos em direcção ao porto percorrendo ruas estreitas.
muito lixo.
Em alguns locais cheiro a urina e de águas residuais.
Apesar deste ambiente, muitas pessoas passeavam nas ruas e outras estavam à janela.
Percorremos pouco mais de um quilometro e fomos dar à Praça da Catedral. 

Aqui visitámos o Museu de arte colonial.

Nesta praça está também o Palácio del Marques de Arco um edifício colonial bem preservado, com uma arcada onde é possível encontrar trabalhos gráficos de artistas cubanos.
 Em frente uma esplanada.

O edifício principal da praça é a Catedral.
Demorou 20 anos a construir e uma das particularides é que tem duas torres, uma de cada lado e são diferentes.

Um pouco ao acaso fomos dar a um locais mais concorridos de Havana.

A Catedral é grande, estava a decorrer uma missa e os fieis enchiam quase metade do lugar de culto católico.

À porta da igreja, sentado nas escadas, um homem com alguma idade meteu conversa. Disse que era um comerciante, a sua loja foi “nacionalizada” com a revolução e agora era reformado. Ganhava 65 pesos por mês. A mulher estava doente e como tinha pouco dinheiro estava a pedir ajuda. Não se sentia incomodado nem com receio da policia por pedir esmola.
 Foi o único pedinte que encontrámos em Cuba.
 Fomos apenas interpelados por crianças que nos pediam gomas, moneda, recuerdos...

Bodeguita del médio
Bodeguita del médio

Mesmo ao lado da Catedral é a famosa Bodeguita del médio.
Estava repleta.
Turistas ocupavam todas as mesas e o bar.

Conseguimos entrar ao fim de 15 minutos.
A tasca tipicamente espanhola mantinha a sua traça original. Espaço pequeno, dois pisos, mesas e bancos de madeira e nas paredes não há um pequeno espaço livre. Por todo o lado há inscrições. Nomes e dedicatórias de gente proveniente dos mais variados países.

Comemos arroz, feijão preto, porco, frango, vegetais e mandioca. Obrigatório são os mojitos. 

Dois músicos enchem ainda o mais que apertado ambiente. 

Na rua, apesar da policia vigiar as ruas, dois jovens convidam-nos a comprar charutos cubanos. A transacção foi numa casa, ali ao lado e, antes de sairmos, primeiro foi um deles espreitar à porta.

A caminho de Varadero

Estrada para Varadero
Estrada para Varadero

Fomos até Varadero de táxi.
Várias paragens para ver a paisagem. Primeiro montanhas e ambiente rural. Uma flora densa, verdejante, que cobre longas montanhas. Em zonas mais planas o verde é cortado por estradas e caminhos. Também várias máquinas de extracção de petróleo de condutas.

Próximo de Varadero surgem as praias azuis da costa cubana. 

A chegada foi pouco depois da hora de almoço.

A Ayola fez a reserva para a Villa Granma. 
Mais uma vez não nos foi possível escolher. O alojamento foi uma opção do turismo oficial. Na verdade, também não havia muito mais para escolher. Varadero não tinha um terço das opções de hoje.


Guacanayabo
Guacanayabo

O Granma era um conjunto de pequenos prédios de apartamentos, cada edifício tinha uma designação
O nosso era Guacanayabo.

Havia um espaço verde, restaurante e uma loja da Intourist que tinha vários alimentos. Os iogurtes de manga eram muito bons.
Porque os cubanos não tinham acesso a estas lojas, dois empregados do restaurante pediram-nos um favor: se podíamos comprar chicletes para os miúdos, lâminas de barbear e um desodorizante. Devido à escassez de produtos alguns eram racionados. Os casais tinham direito a duas gillettes por mês e já tinham acabado. O desodorizante era roll on. Uma prenda para a mulher.
Assim fiz e foram ofertas.

Acho que fiquei a ganhar.
Passei a ser atendido no restaurante sem demoras. Antes cheguei a esperar mais de meia hora por uma mesa. 

O restaurante tinha um peixe grelhado sensacional.

No grill os empregados também eram simpáticos. Um deles, soletrava para os seus botões que não era apoiante incondicional de Fidel.

Em algumas noites houve gritaria nestes espaços mas foi essencialmente ao fim de semana.



A praia de Varadero era de facto muito boa mas não era tão sensacional como os guias a catalogavam.

Areal muito extenso, areia branca e água azul claro.

Nos primeiros dias, ao fim de semana, a praia estava repleta de gente. Cubanos que estavam de férias.

No primeiro dia desistimos.
No segundo dia fomos dar um passeio a pé mais ainda porque estava enevoado. 

Alugamos uma moto e percorremos os arredores de Varadero. Vimos alguns empreendimentos turísticos de grande qualidade, junto à costa.
 Jardins enormes circundavam edifícios recentes, alguns deles com arquitectura idêntica aos de Havana. 
Era de um destes empreendimentos que partia o helicóptero que transportava turistas até Havana e que fazia voos rasantes sobre as praias.



Rua de Varadero
Rua de Varadero

Os restantes dias em Varadero foram a rotina da praia, passeios pelas ruas quentes com paragens frequentes nas sombras das árvores.  Cubanos a passear nas ruas. Música, boa disposição e carros antigos. Um dos ocupantes tinha uma pedra no passeio ao lado da porta. Não se importou de a abrir e com força para empurrar a pedra. Já não há carros destes.

Da rotina também fez parte as inúmeras tentativas para telefonar para os escritórios da Viasa  em Havana. Par conseguir a ligação era quase meia hora. A ligação directa caía. Pedia-se à telefonista e começava uma longa espera que nunca se sabia como terminava porque o aparelho estava permanentemente a ser utilizado. Era o único telefone. Para hóspedes e empregados.

O regresso a Havana exigiu uma estratégia diferente. Fugimos da agência de viagens oficial. Cansados de preços inflacionados e serviços de qualidade inferior ao que desejávamos.
 Para Varadero a Ayola disse que o melhor transporte era um táxi e vendeu-nos um voucher por 70$USD. Descobrimos entretanto que a outra agencia do estado, a Cubatur, tinha um autocarro para turistas e o bilhete custava 30$USD.

Regresso a Havana
Foi num destes autocarros o regresso a Havana.
Na paragem encontrámos um casal de japoneses que falava com um cubano, o Saul. Ele dizia que falava várias línguas, entre elas, o português. Falava bem. Disse que era neto de uma brasileira que foi viver para Cuba e que morreu com 132 anos.  Uhm!. Continuando. Porque sabia várias línguas ia ser transferido para Havana. 
Gostava de Cuba. Queria continuar a viver no seu país. Há problemas mas preferia continuar com as mesmas amizades, uma vida curtida, com noites em discotecas, a beber rum na companhia de turistas.


Hotel Colina
Hotel Colina

Em Havana escolhemos (nós escolhemos) o Hotel Colina.
Está muito melhor localizado. Próximo do Habana Libre, quase em frente à Universidade e a 300 metros do malecón. 

Era mais antigo do que o Capri mas mais acolhedor e barato. Um quarto duplo custava 40$USD e no Capri 70$USD.

Alem de mais asseado e mais simpático o Colina tem um restaurante sossegado e um pequeno almoço sensacional.
O quarto estava no quinto piso e tinha uma vista magnifica da cidade.
A luminosidade ao final do dia era fantástica. Como se Havana repousava, envolvida em partículas douradas.


À noite voltámos à fortaleza mas desta vez o jantar foi nos 12 apóstolos.
Apesar de várias mesas não estarem ocupadas ou reservadas, tivemos de esperar cerca de meia hora.
O restaurante serve comida crioula mas não se compara com a Bodeguita del médio.
Por último, depois de nos interrogarem se tínhamos “divisas” a conta que nos apresentaram era exagerada. Não dava certo. Pediram desculpa pelo engano, tinham feito a conta em pesos.

Havana
Havana

O mais surpreendente foi a viagem de regresso.
Foi também o contacto que mais me marcou nesta viagem a Cuba.

E. transportou-nos de táxi para o hotel Colina. E. tinha 25 anos.
Passámos em frente da embaixada espanhola e questionado sobre o que se passava, respondeu com a versão oficial.
Após alguma insistência da nossa parte, começou por dizer que não eram apenas delinquentes os que ocupavam a embaixada. Também estavam estudantes, médicos e desempregados. Muitos deles estão em desacordo com o regime. São dissidentes políticos. 

Este descontentamento encontra-se também em outros cubanos que gostariam de sair do país. Muitos outros iriam pedir refúgio em outras embaixadas se não fosse a protecção policial.
Agora (em 1990),  já nem os estudantes vão para os países de Leste. Com a abertura no Leste europeu (perestroika) , Fidel fechou as portas aos estudantes. Procura agora aliados na América Latina (nesta altura um ministro cubano visitava a Venezuela onde defendia o incremento das relações bilaterais).

E. acredita que o sistema vai continuar por muito mais tempo. Vão demorar as reformas, o que só vai contribuir para o isolamento de Cuba. 
Ele próprio gostaria de sair. Estava sem expectativas, “o que posso fazer?”. 
Nos EUA, na Europa, cada um define a sua vida.
Já parados em frente ao Colina ele perguntou: que fazes tu? Sou jornalista. Pois, acrescentou ele, escolheste a tua profissão, o que gostavas de fazer. Pode correr bem ou mal. Mas foi uma escolha tua. Eu não. O meu horizonte termina neste vidro e apontou para o para brisas do carro. Escolheram que eu seria taxista. Vai ser esta a minha vida. Quanto muito, porque sei línguas e contacto com turistas, podem mandar-me para guia turístico. 
Olhei para o vidro e fiquei amargurado.

Adeus E.
Depois desta conversa prometi nunca mais regressar a Cuba enquanto se mantiver o actual regime.

Apesar das mudanças decorrentes da perestroika, Cuba continuava a receber estudantes de países africanos. Em Havana velha, sentado num muro, na avenida Paseo de Martí, encontrámos um angolano. Estava triste. Gostava de Cuba mas o seu sonho era estudar numa cidade europeia e, preferencialmente, em Lisboa.

Universidade
Universidade

O dia seguinte foi dedicado a um roteiro cultural.
A primeira opção foi a Universidade.
Um edifício enorme, com uma entrada com uma longa escadaria. É uma das universidades mais antigas da América. É muito grande. Tem 16 faculdades.
Os edifícios estavam encerrados.
Na zona central, ajardinada, estava um tanque militar que tinha sido conquistado por estudantes durante a revolução.

Em algumas portas estavam afixados cartazes com slogans revolucionários.

Num outro edifício, num placard, o calendário do campeonato do mundo de futebol.

Depois de almoço a caminhada foi para o sul de Havana.

Visitámos um hotel bem antigo, numa zona verde e com uma fachada lindíssima: o hotel Presidente.
O hall era igualmente espectacular, em mármore e com várias estátuas.

Depois de um repouso bem apreciado fomos para a  Casa de las Américas.

herreros del vodu
herreros del vodu

Um edifício com arquitectura moderna. Criada meses depois da Revolução a instituição pretende ser um ponto de dialogo cultural com outros povos do continente americano.
No dia em que fizemos a visita estava em exposição “herreros del vodu” do Haiti. A entrada era livre. 

Um homem de meia idade conversou connosco.  Pensou que seriamos brasileiros. Por isso, um dos temas da conversa foram as telenovelas brasileiras, que eram apreciadas em Cuba. A Dona Beija era transmitida às 21h e “deixava as ruas vazias. Nós gostámos de drama. Se não morre hoje, é amanhã. Somos latinos. Só os intelectuais é que não gostam de telenovelas. Até Fidel já viu, pelo menos a Escrava Isaura e disse que gostou. O povo não gosta muito do Roque Santeiro por ser uma caricatura e não um drama”.

O Roque Santeiro era também transmitido todas as noite e dobrado em espanhol.

Questionado sobre o acesso gratuito à exposição, o mesmo empregado respondeu-nos que em Cuba é gratuito o aceso a instituições culturais.
Para evitar problemas sobre a lotação, calcula-se quantas pessoas já estão no interior do recinto e se este número  se aproximar do valor máximo, fecham as portas.

Para o teatro já e diferente. O preço são dois pesos e para o cinema é um peso, o valor que já se pagava antes da Revolução. A única diferença é que nessa altura eram exibidos dois filmes: uma estreia e uma reposição.

A visita à exposição não foi muito demorada. Ofereceram-nos um folheto explicativo do vodu do Haiti impresso em papel tipo embrulho.

Bilhete espectáculo de dança
Bilhete espectáculo de dança

O alvo seguinte foi um teatro para comprar bilhetes para um espectáculo da Companhia de Dança Contemporânea de Cuba.
Metade da plateia estava cheia. Indisciplinados. Gargalhadas, conversas em voz alta e pessoas a mudar de cadeira com o espectáculo a decorrer.

Durante duas horas a Companhia Danza Contemporânea de Cuba apresentou a sua temporada de verão dedicada “al cubadanza’90”.
“Tagencial,” “Ultima Cita”, “Metarmofosis” e “Escena para bailarines” constituiam o programa.
Gostei muito de "Metamorfósis", de Narciso Medina com música de Jean-Michel Jarre, (video de espectaculo de 2008) e achei sensacional “Escena para bailarines”, uma coreografia de Victor Cuellar que ocupou toda a segunda parte.
O número misturava o intervalo com a peça de dança. A plateia, a assistência fazia parte da cena, com os bailarinos a andarem pelo meio dos espectadores ou através de uma corda presa num dos balcões.
Um efeito surpreendente foi a música dos Génesis com a leitura do kama sutra. Inspirada no Fausto de Goethe, esta coreografia exalta “el triunfo del amor y el bien sobre las fuerzas malignas”.

Lista de cabarets
Lista de cabarets

Os cubanos além de ocuparem os tempos livres com a rádio, telenovelas e baseball, à noite, saem para a rua até bastante tarde.

Um dos passeios preferidos é no malecon. Mais namorados.
Durante a noite há muitas tendas que vendem sumos e fritos. Há também espaços de diversão a que eles chamam cabarets.
Há outras salas, essas sim, mais sofisticadas e até com espectáculos que mais se assemelham aos cabarets ocidentais.
 O mais famoso é o Tropicana.
Também é frequente encontrar cubanos em hotéis. Essencialmente ao fim de semana. Vão jantar e dar um pé de dança.


Desfile de moda
Desfile de moda

Outros vão visitar exposições.
Pavilhões onde estão produtos que cativam em especial os mais novos.
Num destes pavilhões, alguns jovens aguardavam a vez numa fila para brincarem com computadores. Algumas raparigas preferiam salas dedicadas a beleza.

Na parte central do pavilhão estava em exposição artesanato, motos da policia e num palco desfilava a mais recente moda cubana que, sinceramente, tinha modelos desportivos bem elegantes.

Seria pecado fechar o relato desta viagem sem falar da Rádio Reloj
Foi uma surpresa. Na altura eu trabalhava numa rádio de informação, com noticiários de meia em meia hora.
A Rádio Reloj é inédita. Transmite ininterruptamente noticias. Sem parar. Como também o som de fundo. De um relógio a marcar os segundos.

A leitura das notícias é feita por dois jornalistas. Durante várias horas. Só param de ler noticias para dizerem as horas e o nome da estação.
Não há sons, comentários, música.... Apenas noticias: titulo e lead. 
E
m Cuba podem-se ouvir várias estações de rádio. Foi um dos nossos hobbies em Varadero. Alem das nacionais, há emissões regionais.

Em onda média ouve-se uma rádio emitida a partir dos EUA. O conteúdo é completamente dirigido para Cuba.